quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Vilões ou injustiçados?


"Stédille no Big Brother, já!"

 
"O Incra ocupado por sem-terra, de novo?" Foi o que passou pela minha mente quando li minha pauta, na redação do jornal. Mas o pensamento não se resumiu a uma interjeição. Reprovei a atitude desordeira e clamei por fogo do céu (ou por um hadouken, já serve) contra o Estado, por permitir a gaiatice.

Invadir prédios públicos se tornou a varinha mágica para meliantes manifestantes chamarem atenção e conseguirem o que querem. Isso por causa da complacência com que são tratados. Mais terras? Ocupa o Incra. Falta estrutura? Ocupa o Incra. Dor no dente? Incupa o Oncra...ah, sei lá, deu pra entender.

A irritação foi maior ao ver como os invasores, hostis, se sentem donos do pedaço. Não deixaram os carros de reportagem entrar e nem souberam justificar por quê. O importante era sentir o poder de impor limitação. É especialmente gostoso para quem normalmente só tem a obedecer.


Insira os caras da foto acima (sem foices) neste cenário e imagine como fui recebido

Minha caminhada até o líder da Fetraf foi com a "escolta" (termo usado por eles) de um ocupante moreno e baixinho. Durante o trajeto, uma amostra da pobreza rural. Gende se balançando em redes atadas em árvores e colunas, homens vestindo trapos enquanto jogavam dominó e panelas que pareciam caldeirões eram aquecidas em fogueiras no chão de areia.

De longe e de perto, curiosos acompanhavam a equipe da TV Liberal. Não sei se o que mais chamava a atenção deles era a câmera em si ou a repórter, magra, branca e de cabelos lisos, uma beleza incomum entre roçadeiras. Assim, o diretor da Fetraf passou a explicar sobre a reintegração de posse que desalojou 2,2 mil pessoas no interior do Estado. Disse que era injusta e apresentou argumentos válidos.

Enquanto ele discursava, um bombonzeiro circulava, na esperança de faturar uns trocados. Uns cinco metros atrás, outro acendia um baseado na fogueira. Passei a conversar com uma senhora que disse ter morado por mais de 20 anos no terreno de onde foi expulsa, em Barcarena. Segundo ela, a área foi grilada para grandes empresas. Plauzível.

Dona Maria falava se balançando em uma rede no seu barraco, uma lona sustentada por galhos de árvore. No lado de fora, uma criança de uns seis anos carregou outra, talvez de três anos, para a altura do tabuleiro do vendedor de guloseimas, para que ela pudesse ver e, quem sabe, amolecer o coração do cara. Não adiantou. Um velho chegou, entregou umas moedas para o vendedor, pegou meia dúzia de balas e foi embora, sem ligar para as crianças. Mesmo assim a menorzinha, de cueca, parecia feliz pulando de um lado para o outro, e correu para longe até eu perdê-la de vista.

"E se essa galera tiver sido, realmente, vítima de uma sacanagem? É provável. Que opção melhor têm, senão viajar até aqui para meter o dedo no orifício anal do governo até conseguir um espaço? Os caras estão desde segunda-feira sem deixar nenhum trabalhador entrar no Incra. Ei, isso também está errado...". Coisas assim rondavam minha cabeça no percurso de volta ao carro da reportagem.

"Exigir frieza de quem leva um pé na bunda de maneira arbitrária é fácil. E mesmo que a retirada da turma tenha sido certinha, o governo tem que fazer reforma agrária, para assentar os caras numa dessas terras que estão paradas aí, só no descanso de tela. Parece que uma injustiça provocou outra - a desordem no Incra - e pode causar outras, num ciclo sem fim. A solução? Não tenho. Sou jornalista, estou aqui só para contar as desgraças sucessivas e sobrepostas...", continuei pensando, aleatoriamente, durante a caminhada. Eu ficava cada vez mais preocupado sobre que padaria escolher para matar minha fome. Sem saber quem tem a razão e sem ter a solução, o jeito era voltar à minha confortável posição de burguesinho da capital e escolher uma broca aí.

Quase chegando à portaria, uma placa: "Obrigado pela sua visita".

De nada.

4 comentários:

Loredana disse...

Saber quem é dono da verdade, quem foi injustiçado ou não isso é relativo.
Os sem terras que na maioria das vezes só querem um pedaço de chão para criar e sustentar suas famílias nem sempre são bem vistos pela sociedade, devido os escandalos de seus líderes e políticos que usam esses pobres coitados para conseguir o que querem e depois os abandonam, sem terra e sem a utópica reforma agrária que nunca sai do papel. Há quem recorrer pra serem ouvidos se não utilizando a única forma que o governo esculta que é a invasão de prédios públicos!!
Parabéns Filipe pelo post, é bom de vez em quando refletirmos e sair um pouco do nosso mundinho fechado.

Cristina Faraon disse...

Uma coisa é ser lavrador, trabalhador do solo e querer um pedaço de terra PARA TRABALHAR. Quando eu encontrar um verdadeiro trabalhador rural, alguém que REALMENTE QUEIRA ARAR O SOLO E ALI VIVER COM A SUA FAMÍLIA sou capaz de lutar com ele.

Masss...

Outra coisa é VIVER DE PILHAR OS BENS ALHEIOS.

Invadir, transformar em favela, vender, invadir, transformar em favela, vender,invadir, transformar em favela, vender,invadir, transformar em favela, vender,invadir, transformar em favela, vender,invadir, transformar em favela, vender,invadir, transformar em favela, vender,invadir, transformar em favela, vender...

Tadinhos... Morro de pena - de quem produz nesse país.

Cristina Faraon disse...

Agora olhe novamente a foto da postagem e me diga com sinceridade: você acredita que esses caras estão lutando PARA TRABALHAR?

Temos uma nova categoria de "trabalhadores": são os "profissionais da invasão".

Loredana disse...

Não sou a favor de invasão, nem de terras alheias e nem de prédios públicos. Mas também não é justo tirar os caras que já estão há mais de 20 anos nas terras e desaproproiar sem ter uma solução para os mesmos, com tanta terra grilada nesse país. Claro que também tem os interesseiros que se metem no meio só para tirar proveito e fazer bagunça.
Será que todo sem terra gosta de estar nesta condição?
Difícil saber quem são os vilões ou injustiçados nesse país!!!