A princípio pensei que seria fácil escolher as maiores humilhações
que o Papão sofreu, afinal foram muitas. Mas logo vi que seria
complicado, justamente porque… são tantas! O que dizer de um time de
cujo hino exalta a glória de uma vitória ocorrida em um amistoso há meio
século (“até o Peñarol veio aqui pra padecer…”)? De qualquer forma,
posso dizer a vocês que torcer pro Paysandu até que não é tão ruim assim
– caso você tenha nascido em 2002 e morrido em 2005.
Como tem sido tendência no Impedimento, preteri as partidas
neolíticas. É que dá um trabalho gigantesco pesquisar o sentimento que
rolou na época e, no fim das contas, o efeito emocional hoje é quase
nulo. Acabei escolhendo episódios a partir de 1990. Não que o Paysandu
tivesse passeado em pastos verdejantes dali pra trás; é que nunca o time havia oscilado de maneira tão abrupta entre o céu e o inferno.
A primeira coisa que pensei ao iniciar esta tarefa foi no meu quase chará, Felipe Silva, autor do texto das
humilhações do Avaí.
Companheiro, também sabemos muito bem o que é passar cinco anos sem
vencer o maior rival. A diferença é que, pra vocês, foram só 15 jogos,
mas pra gente foram 33.
Separar só três Re-Pa foi missão difícil, já que é o clássico mais
disputado no mundo, tem mais de 700 partidas e milhões de boas
histórias. E tem outros jogos marcantes, como uma derrota pra Tuna de 4 a
0 em 1997, na época em que a Lusa ainda era uma força local, tipo
América-MG e Portuguesa. O leitor paraense vai lembrar de outras
histórias e discordar da minha lista, postar outras partidas nos
comentários e me chamar de remista. Tudo bem.
O importante é que cada uma destas 10 humilhações soou como o Capitão
Nascimento gritando carinhosamente nos nossos ouvidos: NUNCA SERÃO.
Espero ao menos que minha dor de lembrar as tragédias que vou contar
agora seja logo aplacada por algum azulino corajoso que escreverá as Top
10 do Remo. Tô até ansioso pelo relato do “Caso Castor”.
Agora chega de enrolação e aprendam como não fazer:
10 – São Paulo 7 x 0 Paysandu – Brasileirão série A, 28/09/2004
Levar goleada de time grande nem é assim tão absurdo. Só que ver a
bola entrando com qualquer peteleco de Cicinho e Grafite não tem a menor
graça. O pior foi que essa sapatada nos trouxe de volta à uma realidade
da qual queríamos nos livrar.
Vou explicar. Em 2001, o Papão ganhou a Série B; no ano seguinte, conquistou a Copa dos Campeões (e um lugar no
Top 10 Humilhações do Cruzeiro,
claro); e mais um ano depois, teve participação destacada na Copa
Libertadores. Quando 2004 começou, queríamos ser tratados como grandes
e, no returno do Brasileirão, até que estávamos começando a ganhar
respeito. Essa goleada do São Paulo encerrou uma sequência de bons
resultados no campeonato e nos trouxe de volta à sina maligna: Série A,
apenas pra fugir do rebaixamento.
9 – São Raimundo 1 x 0 Paysandu – Copa Norte de 2001
A vida não foi fácil antes de começar a Belle Epoque bicolor. Meses
antes de ganhar a Segundona, o Paysandu sofreu um revés daqueles
doloridíssimos. Se explicar assim, no seco, nem parece grande coisa.
Perdeu um jogo fora de casa, apertado, pra um rival regional que vinha
bem – havia ganhado as outras duas Copas Norte.
Há três fatores que fizeram dessa derrota uma tortura: o Paysandu já
estava com um bom time, a derrota veio em um rebote do goleiro nos
acréscimos do segundo tempo e, depois do apito final, rolou um chororô. A
imagem que vem à cabeça de qualquer paraense, quando se fala nesse
jogo, é a do capitão do Paysandu, Gino, às lagrimas como uma criança.
Não foi nessa vez que o Papão disputou a Copa dos Campeões.
8 – Ceará 4 x 0 Paysandu – Copa do Brasil, 16/03/2005
Pra maioria dos torcedores bicolores essa partida pode não ter
causado lá grandes cicatrizes. Talvez o meu ponto de vista tenha sido um
agravante, sei lá. De qualquer forma, essa partida representa a praga
de o time nunca conseguir passar da segunda fase da Copa do Brasil. Esse
jejum acabou só agora, em 2012.
Na partida de ida, entrei de penetra no Mangueirão, já que eu era
estagiário do jornal O Liberal. O que senti naquela noite iria se
repetir um ano depois, no Brasil 3×0 Gana, pela Copa do Mundo. Lembram? O
Brasil jogou mal, errava toques analfabéticos, perdeu uma penca de gols
e foi muito criticado depois. A desculpa de Parreira e dos jogadores
foi: “mimimi, a imprensa é chata, mimimi, goleamos e ainda reclamam”.
Pois é. O Paysandu jogou muito mal e, mesmo ganhando de 2×0, foi
vaiado no final. Todo mundo via que, apesar da respeitável vantagem no
placar, o perigo da partida de volta era grande. Todo mundo, menos o
técnico Roberto Cavalo e os jogadores. Não adiantou termos Robgol na
frente, nem sermos da Série A. Fomos humilhados no jogo de volta. Pelo menos não levamos gol do Camanducaia.
7 – Paysandu x Bragantino – Queda pra série C em 1999
Torcedores do Fluminense podem pensar terem sido os únicos beneficiados com a criação da Copa João Avelange, em 2000. Não foram.
Pouca gente fora do Pará lembra que caímos pra Terceira Divisão em
1999. E, como já lembraram por aqui, se a Segundona já era considerada
um limbo fantasmagórico na década de 1990, a Terceirona era, de fato, o
fundo do poço.
As circunstâncias desse rebaixamento tornam tudo mais escalafobético
ainda. Remo e Paysandu estavam ameaçados de cair, o escrete bicolor
estava bem mais confortável. Bastava um empate em casa com o Bragantino,
já livre da degola. Já o Remo precisava vencer o CRB fora.
Lembro bem disso na época: eu tinha certeza que só nossos rivais
cairiam, mas ocorreu o oposto, com um toque de surrealismo. O Paysandu
desperdiçou pênalti e perdeu de 1 a 0; já o Remo arrancou uma vitória de
dentro do útero e se safou. O pior veio no ano seguinte. A última vaga
pra disputar o módulo principal foi disputada justamente por quem?
Foi um Re-Pa inesquecível. Especialmente porque perdemos. Imagina: em
vez de disputar a série C, o Paysandu é convidado a ficar no segundo
módulo e, mesmo assim, leva peia do maior rival.
6 – Paulista 9 x 0 Paysandu – Série B, 18 de novembro de 2006
Não é um grande time paulista. Não é a Série A. E não são só sete a zero.
Convenhamos, só há duas hipóteses pra explicar um placar assim: time
perdedor ou é MUITO pior ou fez corpo mole. Considerando que, até o
campeonato ser interrompido pra Copa do Mundo, o Papão estava em 4º –
portanto, classificado pra voltar à Primeirona -, e considerando que os
salários estavam cronicamente atrasados, resta a segunda opção.
Não precisa ver o VT da partida; basta olhar como foram saindo os
gols pra perceber que os jogadores do Paysandu não tinham lá muito tesão
pra voltar do ataque e marcar os adversários. Não interessa, isso não
muda em nada a humilhação dos torcedores, muito menos a gozação dos
remistas. A partir desse jogo, entramos na zona de rebaixamento e caímos
pra série C, pra nunca mais voltar. Até agora.
5 – COMBO 2007/ 2009
Paysandu 0 x 1 Imperatriz
Icasa 6 x 2 Paysandu
Aqui já dá pra escrever um COMPÊNDIO só com as peripécias de um time
muito atrapalhado que arruma altas confusões nessa divisão do barulho.
O mais emblemático foi o primeiro ano na Série C. Conseguimos ficar
em 62º de 64 times. Pelo menos escapamos do rebaixamento (claro, ainda
não existia Série D).
Embora a eliminação da competição tenha vindo com a derrota em casa
para o poderoso Araguaína, perder o jogo contra o Imperatriz tornou tudo
ainda mais patético. Era uma questão de honra. Enfim, foi um dia
histórico: o pior momento da história do time.
Nos últimos três anos, o Papão foi passando de fase aos trancos e
barrancos – tudo bem, nunca é fácil – até chegar nos duelos decisivos:
quem ganhasse, subiria pra Série B. Depois do empate de 1 a 1 em Belém,
tudo poderia acontecer, passar ou não. Mas levar meia dúzia de gols de
um time que tem o nome escrito na privada lá de casa é sacanagem.
Confira também se na sua não tá escrito Icasa.
4 – COMBO 2010/ 2011
Paysandu 2 x 3 Salgueiro
América 2×1 Paysandu
No ano seguinte, foi inacreditável. O Paysandu empatou fora e saiu
ganhando na Curuzu. Mas levou três gols seguidos e entregou a vaga de
novo, EM CASA, pra um time de pouca expressão do interior do Nordeste. E
olha que o Salgueiro tinha só seis anos como time profissional.
Vem 2011, de novo a campanha “Vamos subir Papão”. De novo, o time vai
passando de fase e, agora, um quadrangular decisivo. Agora vai.
Ganhamos os três primeiros jogos e os matemáticos apontam: Papão com 99%
de chances de subir. Tem como dar errado? Tem.
Uma dessas partidas foi anulada e repetida, com derrota do Paysandu.
Os jogos rolaram com equilíbrio até, claro, o bicolor entregar a vaga
pra mais um time nordestino. Podíamos empatar, mas veio a derrota pro
América de Natal.
3 – Paysandu 0×2 Remo. Final do Parazão de 2004
Foi o jogo final de uma campanha irrepreensível do Remo, um dos poucos times do Brasil a ganhar um campeonato só com vitórias.
Essa partida definia o segundo turno do campeonato. Parecia até que
ia dar Paysandu, já que o Remo perdeu um pênalti e teve um zagueiro
expulso. Mas, depois dos 40 minutos, os azulinos fazem dois gols e
encerram uma campanha irrepreensível. Rolou até um certo déja vu de um
tal de tabu que vou contar agora.
2 – Paysandu 0×4 Remo – Final do Parazão, em 31 de março de 1996
As próximas duas traulitadas sintetizam como foi passar de 1992 a
1997 sem uma vitoriazinha contra o Remo. Nessa época, parecia realmente
impossível ganhar do maior rival. Surgiu até uma macumbeira dizendo que o
Paysandu devia-lhe dinheiro, o que, confesso, soou totalmente
verossímil na época.
Em algum momento da história de times rivais, um deles vai ganhar do
outro de 4 a 0. É humilhante, mas acontece. Mas e se essa derrota é o
26º jogo de tabu? Em final de campeonato? Perdendo um pênalti no fim? A
sexta partida seguida sem marcar gol contra o adversário? Não é normal.
O destaque do jogo foi Ageu Sabiá, o sucessor, sem grife, de Giovani
(aquele do Santos, Barcelona, Seleção). Os dois começaram a carreira na
Tuna. A diferença é que Ageu era baixinho e barrigudo.
1 – Paysandu 1×3 Remo Parazão, em 13 de abril de 1997
A partir de certo momento, antes dos clássicos os azulinos passaram a
contar o número de jogos sem derrota pro Paysandu. Metade do estádio
gritava “uuuum, doooois, trêêês, quaaaatro….”. Nessa partida, a contagem
estava em 32. Se até aqui ainda sobrara algum torcedor do Paysandu
acreditando no fim do tabu, depois do jogo não havia mais.
No começo, parecia que ia dar. O Remo chegou aos cacos para o
clássico. Improvisou dois jogadores para substituir o técnico, recém
demitido.
No jogo, o Papão saiu na frente, foi aquela festa. A esperança,
moribunda, deu alguns suspiros, mas voltou a respirar por aparelhos
depois que dois atacantes saíram do banco remista e fizeram três gols.
Depois dessa partida, ainda houve outra derrota, até, enfim, o Paysandu
voltar a vencer o Remo.
(Publicado originalmente no ótimo site esportivo
Impedimento).