sábado, 1 de fevereiro de 2014




A SAUDAÇÃO AZULINA

Com sangue nos olhos, Roberval fechou a porta e girou a chave no carro. Ele adaptara o Voyage para viajar no tempo, motivado pela mais pura antítese do amor. O ódio era não contra um; mas muitos. Mais especificamente, os torcedores de uma coisa cujo nome não pode estar no mesmo texto que o de Roberval, sob pena de ele ter um ataque epilético-psicológico.

A viagem de teste fora um sucesso. Quer dizer, nem tanto. Não foi lá muito genial a ideia voltar a 2004, já que na época o adversário ainda estava em alta. Nada grave. Se o plano desse certo, nem haveria mais adversário.

Motor ligado, pé no acelerador, rastro em flashes e Roberval volta a janeiro de 1914. Ele guardou o carro num mato perto da Doca e pegou carona de carroça para visitar conselheiros do Norte Clube. Os caras estavam indignados por que o time havia perdido a chance de ser campeão paraense de 1913. Em uma atitude moderna - mas sem apoio da Unimed -, os dirigentes tentaram o tapetão naquele ano, e nada. De raiva, começaram a organizar um clube novo.

O plano de impedir isso deu certo mais rápido do que o imaginado. Os mais fracos de mente mudavam de ideia por qualquer lanterna; o meio chato ganhava um MP3 player; o mais cabeça dura não resistia a uma câmera Polaroid cuspindo imagens instantâneas. Em três dias, esvaziou-se o ímpeto dos que queriam fundar outro time.

Estava tudo certo pra dar errado. Ou tudo errado pra dar certo.

Só que, um dia antes da votação, Roberval parou pra meditar e ficou mufino. Lembrou as grandes vitórias nos clássicos. Pensou nos rebaixamentos do adversário. Uma nostalgia o dominou ao recordar o Mangueirão abarrotado com as duas torcidas se provocando. Tentou se imaginar xingando torcedores do Norte Clube. Muito sem graça. Quando se deu conta de que, sem o rival não há tabu, uma lágrima escorreu. Não podia perder o prazer dos 33 jogos, a maior glória do time.

Então ele salta da cadeira e vai atrás dos conselheiros subornados. De um a um, diz que é para votar, sim, pela criação de um clube novo. Os caras ficaram sem entender, assustados. Nada que um Macbook Air não resolvesse e a manipulação no sentido contrário deu certo. A votação terminou a favor do novo clube e a turma se reuniu dia 2 de fevereiro para a reunião inaugural.

Melancólico, Roberval entrou no carro e voltou a 2 de fevereiro 2014, já planejando a próxima viagem. Passou numa farmácia pra comprar o purgante que colocaria na bebida do Castor, quando voltasse a 1996. Entrou em casa em silêncio e levantou a tampa do notebook. Logou no Facebook e postou:

"Parabéns pelo centenário, Mucuras"


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