terça-feira, 30 de março de 2010

O Exercício da Boa Escrita



Ser escritor deve ser legal.  Tipo um sábio incompreendido que descarrega suas voltagens neuroniais numa genial sequência de letras. É aplaudido de pé ao descrever uma popozuda andando pela calçada. E quando todo mundo pede "mais um, mais um!", faz biquinho e não escreve mais nada.

Para fazer alguém pregar os olhos por horas na sua sequência de letrinhas, o escritor tem que ser safo. Quando eu era criança, não entendia como um adulto tinha orgasmos só de olhar páginas, ainda mais sem figuras! Ainda acho que meus leitores se atêm mais às figurinhas do que às letrinhas. É um fato comprovado por três pesquisas sérias sobre o assunto. E por mais umas tantas pesquisas gaiatas, também..


Não sei por que só olham para as figurinhas...


O passo fundamental para o aprendiz de Machado de Assis é pensar merda. Assim como um atacante chuta várias vezes para fora até acertar o gol, o escritor rumina bastante adubo antes de parir uma boa ideia. Um mestre da literatura, certamente, pensa em coisas inimagináveis. Mas se são inimagináveis, como é que ele pensa? Não sei, não sou um mestre da literatura.

O importante é que o papel só recebe o que passou pela mente. Antes de pescar algo original, vem muito sapato.


Uma arma indispensável é o backspace. Isso se estiver depois, claro. Antes, o mais indicado é o delete. Mas não se limite a eles. Shift e Ctrl ajudam na eliminação, em escala industrial, de fezes escritas. E quando o adubo abunda, não tem jeito, use a descarga virtual com Crtl + A + delete. Pois o bom escritor pode ter medo de pata de cobra, de pescoço caranguejo e de dente de papagaio, mas nunca de apagar algo que escreveu.

A pior parte é a organização, chata como arrumar um quarto. É um trabalho braçal negligenciado por muitos jênios da literatura. Por quê? Dá muito trabalho. É nessa hora que o aspirante a Machado de Assis - tipo, um Foice de Assis - desamola. Sem um trato nas suas letrinhas, meu caro blogspectador, você não será sequer um Canivete de Assis. Nem Eça, nem Aquela de Queiroz. Esqueça.

Por fim - mas longe de ser conclusivo sobre assunto -, eu noto que os bons textos têm ritmo, pulsação. Letras de Machados afiados correm sem fazer esforço, como uma música, enquanto uma frase chama pela outra. Fluem como o ânus desliza suavemente pelo tobogã do Beach Park. E, acima de tudo, não usam metáforas idiotas como essa.

Textos ruins são como ruas com lombadas calombóticas a cada três metros. Já um bom texto parece mais com um carro no ponto morto que, de leve, escorrega ladeira abaixo.

4 comentários:

Rafael Faraon disse...

Eu tenho medo de apagar o que escrevo, daí com medo de sentir esse medo eu fico com meus pensamentos e não escrevo nada.

Anônimo disse...

Gostei especialmente da última metáfora. Mas o texto todo está bom!

Cristina Faraon disse...

Taí um texto bem escrito - não só porque te dou razão (embora isso ajude ... hehehe)
E é verdade: a mente tem que vagar e passar por vales e montanhas para poder permitir-se dar de cara com algo realmente interessante.

Dani Francisco Boyd disse...

Felepe, tá aqui a melhor frase do texto:

"O passo fundamental para o aprendiz de Machado de Assis é pensar merda."

E a segunda melhor foi a do Beach Park. Tu não és normal, menino!!!