"Stédille no Big Brother, já!"
"O Incra ocupado por sem-terra, de novo?" Foi o que passou pela minha mente quando li minha pauta, na redação do jornal. Mas o pensamento não se resumiu a uma interjeição. Reprovei a atitude desordeira e clamei por fogo do céu (ou por um hadouken, já serve) contra o Estado, por permitir a gaiatice.
Invadir prédios públicos se tornou a varinha mágica para
A irritação foi maior ao ver como os invasores, hostis, se sentem donos do pedaço. Não deixaram os carros de reportagem entrar e nem souberam justificar por quê. O importante era sentir o poder de impor limitação. É especialmente gostoso para quem normalmente só tem a obedecer.
Insira os caras da foto acima (sem foices) neste cenário e imagine como fui recebido
Minha caminhada até o líder da Fetraf foi com a "escolta" (termo usado por eles) de um ocupante moreno e baixinho. Durante o trajeto, uma amostra da pobreza rural. Gende se balançando em redes atadas em árvores e colunas, homens vestindo trapos enquanto jogavam dominó e panelas que pareciam caldeirões eram aquecidas em fogueiras no chão de areia.
De longe e de perto, curiosos acompanhavam a equipe da TV Liberal. Não sei se o que mais chamava a atenção deles era a câmera em si ou a repórter, magra, branca e de cabelos lisos, uma beleza incomum entre roçadeiras. Assim, o diretor da Fetraf passou a explicar sobre a reintegração de posse que desalojou 2,2 mil pessoas no interior do Estado. Disse que era injusta e apresentou argumentos válidos.
Enquanto ele discursava, um bombonzeiro circulava, na esperança de faturar uns trocados. Uns cinco metros atrás, outro acendia um baseado na fogueira. Passei a conversar com uma senhora que disse ter morado por mais de 20 anos no terreno de onde foi expulsa, em Barcarena. Segundo ela, a área foi grilada para grandes empresas. Plauzível.
Dona Maria falava se balançando em uma rede no seu barraco, uma lona sustentada por galhos de árvore. No lado de fora, uma criança de uns seis anos carregou outra, talvez de três anos, para a altura do tabuleiro do vendedor de guloseimas, para que ela pudesse ver e, quem sabe, amolecer o coração do cara. Não adiantou. Um velho chegou, entregou umas moedas para o vendedor, pegou meia dúzia de balas e foi embora, sem ligar para as crianças. Mesmo assim a menorzinha, de cueca, parecia feliz pulando de um lado para o outro, e correu para longe até eu perdê-la de vista.
"E se essa galera tiver sido, realmente, vítima de uma sacanagem? É provável. Que opção melhor têm, senão viajar até aqui para meter o dedo no orifício anal do governo até conseguir um espaço? Os caras estão desde segunda-feira sem deixar nenhum trabalhador entrar no Incra. Ei, isso também está errado...". Coisas assim rondavam minha cabeça no percurso de volta ao carro da reportagem.
"Exigir frieza de quem leva um pé na bunda de maneira arbitrária é fácil. E mesmo que a retirada da turma tenha sido certinha, o governo tem que fazer reforma agrária, para assentar os caras numa dessas terras que estão paradas aí, só no descanso de tela. Parece que uma injustiça provocou outra - a desordem no Incra - e pode causar outras, num ciclo sem fim. A solução? Não tenho. Sou jornalista, estou aqui só para contar as desgraças sucessivas e sobrepostas...", continuei pensando, aleatoriamente, durante a caminhada. Eu ficava cada vez mais preocupado sobre que padaria escolher para matar minha fome. Sem saber quem tem a razão e sem ter a solução, o jeito era voltar à minha confortável posição de burguesinho da capital e escolher uma broca aí.
Quase chegando à portaria, uma placa: "Obrigado pela sua visita".
De nada.